CURSO DE TEOLOGIA PARA LEIGOS - DIOCESE DE PIRACICABA SP

domingo, 20 de julho de 2014

Deus Uno e Trino



Deus Uno e Trino
Frei Antonio Mota
Introdução

Falar sobre a Santíssima Trindade é falar de Deus a partir da perspectiva Cristã, justamente porque a confissão da Trindade – sabemos – não é a única confissão de fé que existe. Aliás, se voltamos nosso olhar para a história das religiões, constamos que a confissão trinitária é uma maneira de falar de Deus que apareceu em um tempo bastante tardio, em referência às religiões mais antigas do que o Cristianismo.
Na Verdade, quando falamos da Santíssima Trindade, estamos nos referindo à experiência cristã de Deus, à maneira como os cristãos se relacionam com Deus, como O entendem. Uma maneira que tem de igual com as outras religiões o fato de crer em Deus, mas que também se diferencia por causa da singularidade de sua experiência do divino:

«Toda religião tem em seu centro a fé, a crença em Deus. Com a nossa fé cristã não é diferente. Somos cristãos, e no centro dessa identidade está a nossa crença em Deus. Os contornos do perfil desse Deus em quem cremos são fundamentais para entendermos em que consiste a proposta de nossa fé e situar o que ela tem de diferente em relação a outras religiões».[1]

Todavia, como cristãos – cujas raízes religiosas estão enficadas em solo judaico –, fazemos uma experiência de fé segundo a qual só conhecemos Deus porque ele se revela na história. Assim, a nossa reflexão sobre as experiências de Deus feitas pela humanidade tem por horizonte, justamente, o processo histórico da “aventura” humana, pois, como diz a Carta Hebreus:

«Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos Profetas; agora, nesses dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho» (Hb 1, 1-2).

O que acabamos de colocar nos põe em condições de encontrar um método para falar de Deus, os Santos Padres chamam esse métodos de economia do discurso de Deus, ou seja: Deus dá-se a conhecer ao ser humano de uma maneira processual, gradativa, poderíamos também chamar pedagógica. Concretamente, isto implica dizer: Deus vai fazendo-se conhecer de acordo com a capacidade humana de conhecê-Lo.[2]
Seguindo essa perspectiva, uma olhada panorâmica, por isso geral, sobre as experiências de Deus feitas pela humanidade ao longo de seu percurso histórico, permitiu que os historiadores das religiões elaborassem diversas classificações de categorias religiosas, como, por exemplo: religiões primitivas – religiões éticas – religiões de redenção; religiões das tribos primitivas – religiões nacionais – religiões da humanidade, dentre as quais se encontra o Judaísmo de onde nasce o Cristianismo[3].
Muitos, dentre os quais o filosofo alemão Hegel, pensaram esse desenvolvimento das religiões como um processo linear, que ia das primeiras intuições que a humanidade teve do Ente supremo até o Cristianismo que, para Hegel, era a religião moderna. Segundo essa visão, tal processo ia se dando de forma que cada nova etapa superava aquela precedente. Nessa direção:

«na nossa cultura (de cunho eurocêntrico, iluminista e evolucionista) estávamos habituados a ver as religiões mais arcaicas como uma etapa superada no processo da evolução religiosa da humanidade, para chegar depois no Judaísmo e, enfim, no Cristianismo [...]. Hoje, ao invés, percebemos que essas religiões coexistem uma ao lado da outra».[4]

Dessa maneira, vivemos hoje um pluralismo religioso e é justamente essa situação que exige que colhamos a unidade e diferença entre experiência cristã de Deus e aquelas das outras religiões. Porém – até mesmo porque este não é o lugar adequado –, não precisamos refazer a história das religiões para colher essa unidade e diferença. Isto porque nos movemos dentro da teologia cristã, ou seja, nossa tarefa não é outra que conhecer mais profundamente o Deus do qual fazemos experiência, no qual já cremos.
O PRIMEIRO PASSO, portanto, a ser dado na nossa aventura de compreender melhor o mistério de nossa fé é exatamente partir de Jesus Cristo. A confissão da Trindade é uma realidade que parte da experiência do próprio Jesus Cristo, pois é exatamente Ele quem nos apresenta Deus como Trindade.
Partir de Jesus Cristo, como esclarece P. Coda, é já encontrar o método segundo o qual podemos compreender essa experiência – que é a nossa – de experimentar Deus como Trindade. O método consiste em ter o Novo Testamento como o centro da nossa reflexão, justamente porque é aí que encontramos delineado o rosto de Deus que Jesus nos apresenta. Todavia, essa centralidade da revelação neotestamentária deve levar em consideração três realidade, escreve o Teólogo italiano:[5]
1)      «A nossa experiência de seres humanos diante do mistério da existência e do Absoluto. Porque se Deus se revela a Israel e se comunica plenamente em Jesus Cristo, isto acontece porque o ser humano o espera, temos, assim, que levar em conta a experiência da humanidade “fora” ou “antes” [...] de Israel e da revelação cristã».[6]

2)      «Tudo aquilo que prepara diretamente a vinda de Jesus Cristo: de fato, o Deus de Jesus Cristo já tinha sido revelado aos Patriarcas, por isso a promessa e experiência de revelação feita a Israel não é uma coisa estranha à revelação de Cristo, mas é-lhe interna como um pressuposto constitutivo e permanente».[7]

3)      «Enfim, a compreensão que a Igreja teve e tem de Jesus Cristo. A revelação de Deus exige um alguém que a acolha, faça-a sua e a compreenda: diferentemente, não seria revelação de Alguém a alguém. Tudo isso já se verifica em Israel onde a revelação de Deus é mediada por aqueles grandes interlocutores do diálogo da salvação (Abraão, Moisés, os profetas...) e de toda a experiência de um povo. O mesmo acontece em referência à Igreja, começando pelos Apóstolos que nos transmitiram a experiência que fizeram de Jesus e, depois, através do longo caminho da história da experiência e da reflexão da Igreja».[8]

1.      Raízes Antropológicas da Experiência de Deus
A presença da dimensão religiosa na vida humana é um fato incontestável. É comum encontrarmos em todos os povos e culturas formas de relação entre o ser humano e o divino. Aliás, a própria palavra cultura deriva do termo culto, o que pressupõe que as culturas da humanidade tenham se desenvolvido a partir de experiências religiosas. Isto porque temos uma estrutura antropológica que permite que, para usar uma categoria de Micea Eliade, em meio ao profano de nossas vidas, o sagrado irrompa[9] na sua magnificência, se dispondo à nossa adoração. Foi justamente a partir dessa experiência da qual o homem é capaz, tem necessidade, que foram se erguendo as religiões enquanto tais.
Essa fenomenologia da relação entre o humano e o divino que parece nascer espontaneamente e que vivemos através da religião, ou então, de práticas religiosas, confirma que o ser humano enquanto tal é predisposto a Deus. Traz consigo a pergunta por aquilo que está além de si e do mundo que o circunda. Procura o princípio de todas as coisas. Uma pergunta que, daquilo que podemos colher da experiência humana, pode ser cultivada através da explicação científica, mas indo além dessa, é respondida em termos de significado através da fé.
A nossa literatura cristã é plena de autores que falam dessa predisposição que temos para nos encontrarmos com o divino. Uma predisposição que se traduz em nossa experiência através da nossa busca pela verdade, pela felicidade, pela plenitude, etc. Nessa direção, é eloqüente a confissão de Santo Agostinho, o qual quando encontra Deus reconhece exatamente que n’Ele está tudo o que ele buscava ao longo de caminhada existência:

«Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! E eis que estavas dentro de mim e eu fora, e aí te procurava, e eu, sem beleza, precipitava-me nessas coisas belas que tu fizeste. Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti aquelas coisas que não seriam, se em ti não fossem. Chamaste, e clamaste, e rompeste a minha surdez; brilhaste, cintilaste, e afastaste a minha cegueira; exalaste o teu perfume, e eu respirei e suspiro por ti; saboreei-te, e tenho fome e sede; tocaste-me, e inflamei-me no desejo da tua paz».[10]

É essa predisposição, presente na constituição do nosso ser, aquilo que nos permite fazer uma experiência de Deus. Tal predisposição age em nós como uma espécie de orfandade originaria que nos coloca em busca de nossa origem, em busca de uma paternidade que está para além de nossa paternidade humana.
Por causa dessa orfandade originária, quando somos lançados em meio ao mundo que nos cerca, jamais aí nos colocamos de modo neutro; pelo contrario, na nossa experiência de estarmos no mundo, somos como que lançados em direção as coisas através da sedução de um mistério que envolve tudo, inclusive a nós mesmos.
A experiência bíblica está permeada por essa busca – que é, em verdade, a busca pelo sentido da existência – que encontra  em Deus sua resposta fundamental, como mostra um dos textos escolhidos para liturgia da Santíssima Trindade:

«Contemplando estes céus que e formastes com dedos de artista; perguntamos: “Senhor quem é o homem, para dele assim vos lembrardes e o tratardes com tanto carinho?» (Sl 8, 4-5).


2.    A experiência de Deus veterotestamentária

2.1. O Deus de Abraão, de Isaque e Jacó[11]

2.2.            Monoteísmo ou monolatria?
O primeiro problema que se nos deriva do exame do Antigo Testamento é certamente o problema do monoteísmo; isto porque a sua origem tem sido objeto de um vivo debate entre os estudiosos. Sobretudo entre duas correntes: a primeira o vê como fruto de uma evolução linear e progressiva do animismo originário através do politeísmo (linha evolucionista de E. B. Tylor) e, a segunda, que o vê como estado originário da experiência religiosa (cf. W. Schmidt). Mesmo deixando de lado esta problemática mais geral, aproximando-nos da experiência bíblica, vamos constatar que, em sentido estreito, não podemos falar, desde o início [dessa experiência], de monoteísmo, mas sim de monolatria (um só Deus para o clã, primeiro, e, depois, para o povo de Israel) que, progressivamente, é amadurecida – passando por várias fases – em monoteísmo verdadeiro e próprio.
Ao analisar o Antigo Testamento na ótica da revelação de Deus, podemos constatar, de modo real e imediato, uma distinção fundamental que o perpassa.
Na designação de Deus conferimos, de fato, duas evidentes fases históricas. A primeira fase se refere ao período dos Patriarcas, que vai até Moisés: neste período Deus é chamado com o termo comum El, o seu plural Elohìm, algumas composições de El com adjetivos que o qualificam, ou então é chamado de Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. A segunda fase pressupõe uma mudança, e nela encontramos um novo nome de Deus, tipicamente bíblico: Jhwh, revelado a Moisés no Sinal.
Um testemunho histórico dessa passagem, da fase mais arcaica à fase mais recente, encontramos no capítulo 32 do livro do Deuteronômio, onde se pode notar como Israel tenha a consciência que o seu Deus é Jhweh, porque El, e Elohìm, é o nome comum para designar a divindade de todos os outros povos vizinhos:
«Quando o Altíssimo repartiu as nações, quando espalhava os filhos de Adão, ele fixou fronteiras para os povos, conforme o nome dos filhos de Deus [El], mas a parte de  Jhweh foi o seu povo, o lote de sua herança foi Jacó» (Dt 32, 8-9).

2.3.  A experiência de Abraão e dos Patriarcas
Iniciando o nosso caminho, devemos, então, nos de determos no primeiro estagio dessa história de revelação [a de Deus, na Bíblia], ou seja: determo-nos no Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó (a chegada de Abraão em Canaã é colocada em torno de 1850 a. C.). De início, já é muito importante sublinhar que Deus, em seu manifestar-se, se liga a pessoas que ele escolhe e lhe acolhem. Deus se faz conhecer através da experiência que d’Ele fizera Abraão, Isaque e Jacó.
A sua denominação originária é justamente aquela de El. Este nome deriva da raiz semítiva ‘l, que indica o rei ou o pai dos deuses (trata-se de populações politeístas). Para designar o seu Deus, Abraão e os Patriarcas usam o termo dos outros povos, mas lançando sobre esse nome a nova experiência que fizeram exatamente a partir de seu intervento [de Deus] na historia deles. Para expressar essa novidade, usa-se dois modos:

a)      Coloca-se ao lado do El um adjetivo que o especifica: ‘El Elyôn = Deus Altíssimo (cf. Gn 14, 19-22); ‘El Sadday = Deus onipotente ou da montanha (cf. Gn 17,1); ‘El Olam = Deus eterno (cf. Gn 21,23), etc;
b)      Transforma-se El, que é singular, no plural Elohìm. Usar este plural significa exprimir a potência e a grandeza do El de Israel como Deus por excelência.
Todavia, além disso, qual foi a experiência feita por Abraão? Obviamente, os textos base sobre os quais fixamos a nossa atenção são a história dos Patriarcas, narrada do capítulo 12 ao capítulo 36 do Gênesis. É muito difícil examinar esta matéria literária para compreender qual seja núcleo da experiência que aí está subentendida. Porém, podemos dizer com segurança que o Deus de Abraão é um Deus encontrado nas vias no nomadismo e do deserto, que mostra como ser nômade, e mesmo forasteiro, não seja um fatalismo, mas uma vocação, como mostra o caso de Abraão, cuja vocação nos é reportada pelo Gênesis. Trata-se de uma experiência de Deus que se encruza com a experiência de vida de um clã que caminha e desvela esta experiência como vocação.
Por isso, o Deus de Abraão é, em primeiro lugar, um Deus que chama a sair, a caminhar seja no espaço, seja no tempo: um Deus da história que rompe com a ciclicidade presa no tempo e das estações, dos costumes e das culturas. É um Deus que dialoga: a sua experiência pressupõe, portanto, dois companheiros que entram em relação. É um Deus que, chamando e dialogando, se mostra como um amigo seguro do homem, que o guia, o sustenta, e, por isso, pode ser definido com os símbolos da rocha e do escudo. Enfim, é um Deus que promete, que se interessa pelo futuro desse homem que escolheu. Desde o início da história de Israel se compreende que se trata de um Deus da promessa e da aliança. Assim, o livro do Gênesis narra o evento dessa aliança [...]:

«Quando Abrão completou noventa e nove anos, Jahweh lhe apareceu e lhe disse: “Eu sou o El Shaddai, anda na minha presença e sê perfeito. Eu instituo minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei extremamente”. E Abrão caiu com a face por terra. Deus lhe falou assim: “Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas o teu nome será Abraão, pois eu te faça pai de uma multidão de nações. Eu te tornarei extremamente fecundo, de te farei nações, e reis sairão de ti. Estabelecerei minha aliança entre mim e ti, e tua raça depois de ti, de geração em geração, uma aliança perpétua, e serei o vosso Deus» (Gn 17,1-8).[12]

Todavia, ao mesmo tempo, o Deus de Abraão é um Deus que permanece misterioso e transcendente. Ao contrário, não seria mais Deus, mas um ídolo, uma projeção das expectativas e dos desejos do homem. Podemos ver isso através do episódio da luta entre Deus e Jacó, que ilustra plasticamente a dinâmica de aproximação-distanciamento de Deus e o velamento do seu nome, que – para os povos semitas – contêm em si o seu próprio ser, a possibilidade, portanto, conhecê-Lo e tê-Lo para si:

«Jacó ficou só. E alguém lutou com ele até surgir a aurora. Vendo que não o dominava, tocou-lhe na articulação da coxa, e a coxa de Jacó se deslocou enquanto lutava com ele. Ele disse: deixa-me ir, pois já rompeu o dia. Mas Jacó respondeu: “Eu não te deixarei se não me abençoares. Ele lhe perguntou: “Qual é o teu nome?” – Jacó, respondeu ele. Ele retomou: Não te chamará mais Jacó, mas Israel, porque foste forte contra Deus e contra os homens, e tu prevaleceste. Jacó fez uma pergunta: “Revela-me teu nome, por favor”. Mas ele respondeu: “Por que perguntas pelo meu nome?” E ali mesmo o abençoou» (Gn 32,25-31).

Na fase mais arcaica da história de Israel [...], em um contexto politeísta, como aquele das culturas e dos povos em meio aos quais os Patriarcas viviam, assistimos, portanto, o abrir-se progressivo de uma relação viva e especial entre Deus e Abraão, Isaque e Jacó... Talvez a coisa mais importante e nova, que aí se dá, seja o fato que se trata de um Deus «pessoal». Pessoal em dois sentidos: é um ser vivente amigo do homem e que é, ao mesmo tempo, o Deus desse homem, Abraão, e não de um outro. A experiência que d’Ele faz Abraão entra na sua própria «definição». Portanto, não se pode falar, como notamos, de monoteísmo – como afirmação consciente da unidade desse Deus –, mas de monolatria, ou seja: veneração e culto privilegiados, senão exclusivo, de Deus como Deus do pai (Abraão) e do seu clã, e isto porque d’Ele e da sua aproximação se fez uma experiência direta.



[1] M. C. L. Bingemer – V. G. Feller. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. São Paulo-Valencia: Paulinas-Siquem, 2009, p. 11.
[2] Para um ulterior aprofundamento sobre a revelação de Deus na história, cf. R. Height. Dinâmica da teologia. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 71-85. Como essa dinâmica se dá na história da Igreja, cf. J. Ratzinger. San Bonaventura. La teologia della storia. Assisi: Porziuncola, 2008.
[3] Cf. L. Veuthey. Introduzione Allá storia delle religioni. Roma: Editrice Miscellanea Francescana, 2008.
[4] P. Coda. Dio Uno e Trino. Rivelazione, esperienza e teología del Dio dei cristiani. Milano: San Paolo, 2003, p. 10 (Tradução efetuada pelo autor do presente texto, assim como todas as citações posteriores).
[5] Cf. Ibidem, p. 11.
[6] Ibidem, p. 11-12. 
[7] Ibidem, p. 12.
[8] Ibidem.
[9] Cf. M. Eliade. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 13-14.
[10] Santo Agostinho, Confissões, X, 30.
[11] Quanto será dito nesse ponto é extraído de Coda, Dio Uno e Trino, p. 25-30 (Tradução nossa para uso exclusivo em sala de aula).
[12] Para esta e as demais citações bíblicas utilizamos a edição brasileira da Bíblia de Jerusalém.

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12   Para esta e as demais citações bíblicas utilizamos a edição brasileira da Bíblia de Jerusalém.
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Notícias do Sínodo dos Bispos - Pe. Lima:


 Prezado (a) senhor (a):

Segue mensagem do Pe. Lima:
Prezados Amigos,
Aí vai a crônica do Sínodo do dia de hoje, 09 de Outubro. Um abraço,

Roma, 09 de Outubro de 2012
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
Atenciosamente
S. Pedro André, sdb


Notícias do Sínodo dos Bispos 03 - Pe. Lima
QUASE 50 DISCURSOS NUM DIA...
            Conforme a programação do Sínodo, este terceiro e parte do quarto dia são destinados aos comentários a respeito do documento Instrumento de Trabalho. De fato, a finalidade deste texto, é recolher toda a discussão feita anteriormente, através de consulta às Conferências Episcopais, e levantar alguns problemas relacionados ao tema central.
            Foi o que aconteceu hoje quando, cerca de cinquenta oradores (cardeais, arcebispos e bispos) se inscreveram para comentar algum aspecto do Instrumento de Trabalho. Cada um tinha cinco minutos para falar, usando uma das 5 línguas oficiais, e todos, na Assembléia, acompanhavam com o texto do pronunciamento em mãos e tradução simultânea, para quem desejasse. Cada orador tinha apenas 5 minutos para falar, após os quais o microfone era desligado...
            Ficar ouvindo tantos oradores e em cinco línguas diferentes, é um trabalho muito cansativo. Mas o próprio Regulamento do Sínodo assim se expressa: "pode parecer enfadonho ter que escutar em vários dias tantos discursos. Mas, na realidade, trata-se de uma escuta muito útil para alimentar a colaboração e a amizade entre todos, para obter, da variedade de falas, os elementos comuns, os problemas mais importantes e as questões que mais preocupam os responsáveis pela Evangelização em todo o mundo. O trabalho em comum exige paciência" (Art. 38 d).
            Antes de começar o debate, houve a constatação da presença, uma espécie de "chamada", mas num sistema eletrônico super prático e rápido. Constatou-se que estavam presentes 255 "Padres Sinodais". Nesse número não estão os outros mais de 150 participantes considerados peritos ou secretários, os ouvintes, os convidados especiais e todo o pessoal auxiliar e técnico.
            Um dos primeiros a falar foi o Card. Rino Fisichella, presidente da Congregação para a Nova Evangelização, recentemente fundada pelo Papa Bento XVI. Ele denunciou o modo de viver de muitos católicos que não expressam a novidade do Evangelho, às vezes um modo burocratizado de viver a fé e os sacramentos; "muitas comunidades parecem cansadas, repetindo fórmulas sem sentido que não comunicam a alegria do encontro com Cristo e estão em dúvida a respeito do caminho cristão a ser percorrido... Devemos redescobrir a força do anúncio de Cristo Ressuscitado do qual somos testemunhas, sem deixar-nos sufocar pelas estruturas".
            Houve uma variedade de propostas: muitos insistiram no valor da humildade, para que o anúncio do Evangelho seja eficaz: "nova evangelização exige nova humildade"; outro falou da importância do Espírito Santo na obra evangelizadora e propôs consagrar o mundo o mundo a Ele no final do Ano da Fé. Houve quem chamou a família de "fronteira decisiva da Nova Evangelização", ou reduziu a evangelização quase como uma formação permanente... Outro chamou a atenção para a "emergência educativa", afirmando: "não podemos evangelizar se não educamos e não educamos se não evangelizamos".
            Alguns apresentaram experiências eficazes de evangelização, como o acompanhamento espiritual das mães grávidas, também como preparação para o futuro batismo da criança, a distribuição abundante da Bíblia, ou partes dela, a êxito da pastoral da entronização da Bíblia nas casas dos fiéis e posterior acompanhamento, a riqueza da Leitura Orante da Palavra de Deus, etc.
            Seguindo uma tendência em várias partes da Igreja, um orador pediu que a Igreja Romana seguisse o exemplo da Igreja Oriental Católica, que celebra o sacramento do Batismo juntamente com a Confirmação, deixando a Eucaristia para o ápice e a conclusão do processo de iniciação à cristã, numa idade bem mais avançada (após os 15 anos), quando a/o jovem está mais apto/a para receber tão grande Sacramento.
            O tema da iniciação à vida cristã e necessidade do primeiro anúncio foi muito defendida por um bispo mexicano, que já foi o encarregado da catequese na América Latina. Entre os convidados para o Sínodo está o fundador das Escolas de Santo André, de grande êxito no México e em outras parte da América Latina, inclusive no Brasil. Tal escola se dedica a formar novos evangelizadores, preocupando-se sobretudo com o primeiro anúncio.
            Outros assuntos tratados, entre tantos, foram: a centralidade da Pessoa de Jesus Cristo na Evangelização e o encontro pessoal com Ele, a força evangelizadora da devoção a Nossa Senhora, e, em geral, da religiosidade popular, as necessidades antropológicas às quais a Evangelização deve responder, a necessidade de dinamizar a vida das Paróquias, a urgência de renovar a formação presbiteral para termos bons evangelizadores na Igreja. Acentuou-se também a necessidade, para aqueles que anunciam a Palavra de Deus, de fazerem ressoar na própria vida a Palavra que pregam aos outros, particularmente os religiosos e sacerdotes: primeiro viver a Palavra, para depois pregá-la.
            Entre os oradores, apresentou-se um representante da Federação Luterano Mundial, elogiando essa iniciativa do Sínodo em se debruçar sobre o tema da nova evangelização e afirmando o grande valor do Catecismo da Igreja Católica que, segundo ele, se aproxima muito daquele de Lutero... Outro visitante ou convidado fraterno foi o presidente da Sociedade Bíblica Internacional que muito se alegrou com a Verbum Domini (documento do Sínodo anterior sobre a Palavra de Deus). Entre esses convidados fraternos está também o representante das célebres Comunidades de Taizé, de raiz luterana, mas muito próximos da Igreja Católica e que atraem muitos jovens.
            O último discurso do dia foi do Card. Ouelet, que durante 35 minutos falou da recepção e dos efeitos que tiveram em toda a Igreja a exortação apostólica sobre a Verbum Domini do Sínodo anterior. Mostrou que a nova evangelização tem como primeiro instrumento a Palavra de Deus vivida pelos cristãos que devem dar testemunho dela na própria vida e também a própria Palavra de Deus nas Escrituras. O tema da nova evangelização é uma consequência lógica do tema da Palavra de Deus.
            O dia terminou com um pré-lançamento de um grande filme-documentário sobre o Concílio Vaticano II com imagens inéditas de cinquenta anos atrás, que foi muito aplaudido pelos participantes do Sínodo. Tal filme, a ser lançado oficialmente no dia 11 de Outubro, em que se celebram os 50 anos do Concílio, será muito útil para aqueles que não têm nenhum conhecimento, ou conhecimento apenas teórico, desse que foi o maior evento da Igreja Católica no século XX, e talvez, de toda a bimilenar história da Igreja.
            Os quase 50 discursos acima acenados encontram-se na internet, no mesmo endereço que ontem aqui deixei:  http://sinodo2012.wordpress.com/?blogsub=confirming#subscribe-blog

Roma, 09 de Outubro de 2012.
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb.
 






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Notícias do Sínodo dos Bispos 02 - Pe. Lima
PRIMEIRA E SEGUNDA SESSÕES
Hoje, 08 de Outubro, pela manhã realizaram-se as 2 primeiras sessões. Teve início com a récita da Hora Média (Tercia), cujo hino foi substituído pelo Veni Creator Spiritus, cantado em gregoriano pela Assembleia, acompanhado por coral a 4 vozes. Pode parecer estranho, mas é o único momento de oração em comum durante o Sínodo, pois a Missa e demais orações (laudes e vésperas) são rezadas nas casas onde cada um se hospeda. A Santa Eucaristia foi concelebrada por todos participantes do Sínodo somente ontem na Abertura; uma outra será no dia 11 comemorando os 50 anos do Concílio Vaticano II e os 20 anos do Catecismo da Igreja Católica, e uma última no encerramento. Também as refeições, exceto o cafezinho (abundantíssimo...) da manhã e da tarde, são feitas também nas residências de cada um.
Após a leitura breve da Tercia, Bento XVI, que preside as sessões, fez uma bela homilia, falando ex abundantia cordis, ou seja, improvisamente e sem nenhum texto em mãos. Durante 15 minutos falou do significado da palavra evangelização e evangelizar na cultura antiga e no Novo Testamento, e principalmente em São Lucas que anunciando o nascimento de Jesus, descreve-o como o nascimento do verdadeiro imperador que vem trazer uma Boa Nova de Salvação, de Redenção; é a presença de Deus no hoje de nossa vida.
Para ilustrar como essa Boa Nova pode ser anunciada aos homens de hoje, recorreu ao hino da hora tercia "Nunc, sancte, nobis, Spiritus, unum Patri cum Filio....". A Igreja não começou com uma reunião, concílio ou sínodo... mas com Pentecostes, com a ação do Espírito Santo, e não haverá Nova Evangelização sem um novo Pentecostes. Deus continua falando aos homens hoje, e nós somos apenas colaboradores: é uma ação teândrica (de Deus e dos homens). A segunda estrofe desse hino fala em confissão da fé e não simples profissão de fé. A confissão de fé implica nosso envolvimento, nosso testemunho, disponibilidade. Ela deve estar, como diz o hino, em nossa boca, língua, mente, sentidos, vigor... ou seja, a fé deve ser confessada na vida plenamente: além do coração, deve passar também pela mente, ser iluminada pela inteligência (mens.... teologia). Os santos padres diziam que a fé, a Palavra de Deus pode ser saboreada até pelos sentidos (sensus, vigor).
A outra coluna da evangelização é o amor (cáritas)... o hino fala de fogo, paixão. O próprio Jesus disse que veio trazer fogo à terra: a fé é chama de amor que acende todo nosso ser para comunicá-la aos outros. A realidade e o símbolo do fogo aparecem em todas as culturas. Lucas fala do fogo de Pentecostes: é o Espírito que aquece e faz entender todas as coisas. Ao final o hino de tercia pede que esse fogo do Espírito que arde em nossa fé torne-se visível ao mundo... Não haverá evangelização sem esse fogo do Espírito que arde no coração de cada evangelizador.
Houve, a seguir, uma saudação ao Papa pelo Presidente Delegado do dia, Card. John Tong Hon, Bispo de Hong Kong (China) que falou em latim. Aliás, todas as grandes conferências desse dia foram em latim (sempre com tradução simultânea), e isso foi criticado por muita gente, pois pouquíssimos, mesmo na cúpula da Igreja, estão habituados a essa língua oficial da Igreja, fora das orações tradicionais... O cardeal chinês relatou experiências de nova evangelização em Hong Kong, a partir das três categorias do Novo Testamento: didaqué, koinonia e diakonia.
Seguiu-se a primeira relação (primeira grande conferência), pelo Secretário Geral do Sínodo, Dom Nicola Etérovic. Em primeiro lugar, apresentou os números oficiais dos participantes do Sínodo: 182 padres sinodais, dos quais 172 eleitos pelas Conferências Episcopais e 10 pela União dos Superiores Gerais. Dos outros, 40 foram eleitos pelo Papa, 37 participam ex officio (possuem cargos na Cúria Romana) e 3 designados pelas Igrejas Católicas Orientais. De todos esses, 6 são patriarcas, 49 cardeais, 3 arcebispos maiores, 71 arcebispos, 120 bispos e 14 sacerdotes. Fazem parte também do Sínodo: 20 delegados fraternos representantes de igrejas e comunidades eclesiais que partilham conosco, católicos, as preocupações pela Evangelização. Compõem ainda o Sínodo: 45 especialistas e consultores, 49 ouvintes (mulheres e homens) e um inúmero batalhão de assistentes, técnicos, tradutores e colaboradores da Secretaria Geral. A seguir, falou das atividades da Secretaria Geral, principalmente na preparação dessa XIII Assembleia (redação dos Lineamenta e do Instrumento de Trabalho).
Na segunda parte da manhã, o Relator Geral do Sínodo, Card. Donald William Wuerl, arcebispo de Washington, apresenta a Relação antes das discussões, ilustrando o tema do Sínodo. Desenvolve esses pontos: 1) O quê e Quem proclamamos: a Palavra de Deus; 2) Recursos recentes para ajudar-nos nessa tarefa; 3) Circunstâncias especiais do nosso tempo que justificam esse Sínodo; 4) Elementos da Nova Evangelização; 5) Fundamentos Teológicos da Nova Evangelização; 6) Qualidades dos novos  Evangelizadores e 7) Carismas da Igreja hoje requeridos no exercício da Nova Evangelização.
Após o almoço, foi feita uma reunião com os secretários e distribuidos os trabalhos que cada um deve fazer; a mim foi confiado o tema do "ministério da catequese e sua possível institucionalização na Igreja", tema que o Instrumento de Trabalho pede para ser discutido no Sínodo. Na parte da tarde, cinco palestrantes, durante 10 ou 15 minutos, usando uma das cinco línguas oficiais (italiano, francês, espanhol, alemão e inglês) falaram da situação da evangelização em cada um dos cinco continentes.
Chamou a atenção a palestra do Card. Péter Erdö sobre a Europa: relevou a "perda da memória da herança cristã" nesse continente, com a consequente descristianização galopante, seguida de hostilidade e de violência contra os cristãos em quase todos os países! Referiu-se aos "direitos humanos de terceira e quarta geração... que já não possuem laços com a visão humana e cristã do mundo nem com a moralidade objetiva expressa nas categorias do direito natural". Por outro lado, tal situação de crise religiosa unida à crise econômica e ao envelhecimento da população, faz surgir uma "fome e sede de esperança" às quais o cristianismo pode dar grandes respostas.
Pelo Continente Americano falou o Arcebispo Dom Carlos Aguiar Retes (Chile), desenvolvendo esses temas: 1) O grande desafio: mudança de época e ruptura cultural; 2) Nova Evangelização exige comunhão eclesial; 3) Um caminho incipiente e cheio de esperança na América após o Concílio (de Medellín a Aparecida); 4) Os protagonistas da Nova Evangelização (destaque para os leigos e a família); 5) Pontos cardeais da Nova Evangelização: conversão pastoral e mudança de mentalidade, vivência litúrgica e pastoral orgânica de participação e comunhão. Conclui dando relevância ao Catecismo da Igreja Católica e Compêndio da Doutrina Social da Igreja, à vida de discípulos e aos programas e processos de formação cristã, sobretudo catequese, através de caminhos mistagógicos.
A última hora do dia foi reservada a intervenções livres. Sobressaíram os representantes do Oriente Médio e da África falando do sofrimento dos cristãos nessas regiões, sobretudo devido ao fundamentalismo e fanatismo islâmico hostil ao cristianismo, o que não poucas vezes gera martírio. O Cardeal de São Paulo, Dom Odilo, falou da experiência de fé dos católicos de São Paulo em celebrar a procissão de Corpus Christi mesmo num dos dias mais frios do ano e debaixo de intermitente chuva. Tal ato de fé do Povo de Deus reforça também a fé dos pastores; de fato, ele havia pensado em cancelar a procissão, mas devido à maciça presença dos fiéis, foi mantida e realizada conforme a programação.
Os que atenderam a impressa, relaram o grande interesse da mídia, ao menos no início, pelo Sínodo. Não só, mas uma pergunta insistente, era: "como a Igreja reage diante de uma sociedade cada vez mais secularizada e o que fará para reverter esse quadro, o que a Igreja irá fazer para responder à sede de valores que muitos hoje demonstram, o que fará para dar resposta aos problemas humanos, aos jovens desorientados; quais são as soluções para reconciliar populações inimigas para evitar a guerra, quais são os grandes projetos em favor da paz...". Ou seja: parece que os próprios jornalistas estavam traçando a pauta do Sínodo. Sob esse ponto de vista, a conference press foi um sucesso!
A oração do Angelus entoada pelo Papa, que participou o tempo todo, sempre atento e tomando notas, e o canto do Salve Regina concluíram esse dia de intenso trabalho sinodal.
Apesar das recomendações sobre o segredo a respeito do que se trata no Sínodo, quase todo o material aqui veiculado, em poucas horas podem ser encontrados na Internet. Assim, quem estiver interessado, poderá acessar o site a seguir, onde encontrará todos os textos em castelhano, com fotos dos palestrantes e muitas outras informações: http://sinodo2012.wordpress.com/?blogsub=confirming#subscribe-blog

Roma, 08 de Outubro de 2012.
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb


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A SOLENE LITURGIA DE ABERTURA DO SÍNODO 

Estou em Roma, no Vaticano, participando da XIII Assembleia dos bispos como assessor; faço parte do corpo de secretários que auxiliam a Secretaria Geral na redação e confecção dos textos. Alguns irmãos e amigos sugeriram que mantivesse comunicação constate. Para isso vou procurar transmitir, através desse meio, as impressões e algum conteúdo que eu possa transmitir, pois há bastante restrição por parte dos Regulamentos do Sínodo. Hoje, dia 07 de Outubro pela manhã, houve a solene Eucaristia presidida por Bento XVI que oficialmente deu início ao Sínodo dos Bispos. Foi uma liturgia daquelas que só no Vaticano pode-se admirar e participar, dada sua magnitude, solenidade, pompa e circunstância. Presentes a maioria dos delegados das Conferências Episcopais, aqueles que foram especialmente convidados pelo Papa, e todo o pessoal de serviço, como é o meu caso (alguns ainda estão chegando). Participavam também muitos cardeais, arcebispos, bispos e oficiais da Cúria Romana. O brilho da liturgia, realizada na Praça São Pedro, era visível quer pela esplendor dos paramentos, quer pela harmonia dos corais, do órgão e da orquestra de metais (me extasiei!). Todos concelebrantes estavam ricamente paramentados: os mais de cem sacerdotes estavam com casula verde, os bispos, arcebispos e cardeais com suas insígnias litúrgicas, como também os inúmeros diáconos. Destacavam-se, pelas cores muito vivas e variedade de formas de paramentos e mitras, os patriarcas e padres orientais, ou os representantes dos vários ritos da Igreja Católica, quer do Ocidente e Oriente. As duas horas e meia de celebração podem ser vistas no site: http://player.rv.va/vaticanplayer.asp?language=it&tic=VA_C6JZYTRH Antes do início da Missa, houve a proclamação, como Doutores da Igreja, de São João D'Ávila (espanhol, séc. XVI) e de Santa Hildegarda de Bingen (alemã, séc. XII), dois santos que, conforme Bento XVI, deixaram marca intensa de fé, em períodos e ambientes culturais bem diferentes e enfrentaram com muito sucesso os desafios da evangelização em suas distintas épocas, e que portanto, tornam-se exemplos para nós. No caso de São João D'Ávila, parece que o Papa quer dar um especial alento e coragem à Espanha que, dentre os países europeus, passa nos nossos dias por séria crise religiosa. Por outro lado, Santa Hildegarda de Bingen, chamada de "profeta teutônica", é a 4a. mulher reconhecida como doutora pela Igreja, depois de Santa Teresa de Ávila, Santa Catarina de Sena e Santa Teresinha de Lisieux. Ela lecionou teologia, foi fundadora de dois mosteiros, escreveu livros de mística e teologia, textos de medicina e análises de fenômenos naturais. Uma coisa que me chamou a atenção foram os constantes avisos para a imensa assembleia (a Praça de São Pedro estava toda tomada) afim de que mantivesse o recolhimento e sobretudo o silêncio, sobretudo após a homilia e a comunhão. Foi edificante sentir o silêncio daquelas milhares de pessoas, sobretudo nos momentos mais significativos da grande celebração. Os textos bíblicos e orações da Missa não foram especiais para essa data, mas sim os do 24o. Domingo do Tempo Comum. A abertura do Sínodo e a comemoração de Nossa Senhora do Rosário (7 de Outubro) foram lembradas nas preces e na homilia. O papa, logo no início da homilia, disse: "Com esta solene concelebração inauguramos a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que tem como tema: A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã. Esta temática responde a uma orientação programática para a vida da Igreja, de todos os seus membros, das famílias, comunidades, e das suas instituições". E ainda: "No início desta Assembleia sinodal, devemos aceitar o convite da 2a. leitura de hoje para fixar o olhar no Senhor Jesus, «coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte» (Hb 2,9). A Palavra de Deus nos coloca diante do crucificado glorioso, de modo que toda a nossa vida e, em particular, o compromisso desta assembleia sinodal, se desenrole na presença d’Ele e à luz do seu mistério. A evangelização, em todo tempo e lugar, teve sempre como ponto central e último Jesus, o Cristo, o Filho de Deus (cf. Mc 1,1); e o Crucificado é por excelência o sinal distintivo de quem anuncia o Evangelho: sinal de amor e de paz, chamada à conversão e à reconciliação. Sejamos nós, Venerados Irmãos, os primeiros a ter o olhar do coração dirigido a Ele, deixando-nos purificar pela sua graça". Enquanto o Papa falava, eu admirava o grande crucifixo, colocado ao centro e no alto do frontispício da Basílica Vaticana, como um imenso cenário que fazia de fundo a toda celebração. É um chamado urgente ao cristocentrismo na nossa fé e na ação pastoral. O Papa refletiu também sobre o significado da evangelização, missão principal da Igreja, tanto para os povos não cristãos, como hoje, principalmente para povos de antiga cristandade que estão se afastando da fé... e essa é a nova evangelização. "O Sínodo que se abre hoje é dedicado a essa nova evangelização, para ajudar as pessoas a terem um novo encontro com o Senhor, o único que dá sentido profundo e paz para a nossa existência". Referiu-se também ao exemplo dos dois santos declarados doutores. A partir do tema da 1a. leitura e do Evangelho, falou da dignidade do matrimônio, afirmando: "há uma clara correspondência entre a crise da fé e a crise do matrimônio. E, como a Igreja afirma e testemunha há muito tempo, o matrimônio é chamado a ser não apenas objeto, mas o sujeito da nova evangelização. Isso já se vê em muitas experiências ligadas a comunidades e movimentos, mas também se observa, cada vez mais, no tecido das dioceses e paróquias, como demonstrou o recente Encontro Mundial das Famílias". No final da Missa, já no meio dia, Bento XVI ao rezar o Angelus, comentou a festa de Na. Sa. do Rosário e exortou que, no Ano da Fé, todos os fiéis retomem o hábito de rezar o terço diariamente, contemplando os mistérios da vida de Jesus e de Maria. Falou em várias línguas, inclusive em português, aliás, bem pronunciado! Antes e depois dessa solene liturgia, pude me encontrar e trocar idéias com os bispos brasileiros que participarão do Sínodo: Dom Odilo, Dom Sérgio Rocha, Dom Leonardo, Dom Geraldo Lyrio e Dom Beni. O presidente da CNBB, Dom Damasceno, não foi eleito pela CNBB pois pensava-se que seria convocado pelo Papa, o que não aconteceu. Mas ele virá para a abertura do Ano da Fé no próximo dia 11. Termino com as palavras de Bento XVI: "Confiamos a Deus o trabalho do Sínodo com o sentimento vivo da comunhão dos santos invocando, em particular, a intercessão dos grandes evangelizadores, dentre os quais queremos incluir com grande afeto, o Beato Papa João Paulo II, cujo longo pontificado foi também um exemplo da nova evangelização. Colocamo-nos sob a proteção da Virgem Maria, Estrela da nova evangelização. Com ela, invocamos uma especial efusão do Espírito Santo, que ilumine do alto a Assembleia sinodal e torne-a fecunda para o caminho da Igreja, hoje no nosso tempo". Roma, 07 de Outubro de 2012. Pe. Luiz Alves de Lima, sdb